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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Delfim Netto diz que governo precisa corrigir tropeços


Folha de S.Paulo

Um jornal a serviço do Brasil

QUINTA-FEIRA, 7 DE FEVEREIRO DE 2013 09H32 TEMAS DO DIA



06/02/2013 - 05h00

Governo precisa corrigir 'tropeços' para país crescer mais, diz Delfim Netto




O economista Antonio Delfim Netto em sei escritório, no Pacaembu, zona oeste de São Paulo


O economista Antonio Delfim Netto garante que mantém seu aval a Dilma Rousseff. Mas passou a criticar o que classifica como tropeços do governo petista.
Em entrevista à Folha na manhã desta terça-feira (5), o ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento criticou o modelo de concessões à iniciativa privada que fixa rentabilidade do investidor.
Segundo ele, isso leva o mercado a responder "com a porcaria que cabe em sua taxa de retorno".
Também na manhã de ontem, o governo anunciou mudanças nas regras para as concessões de projetos de infraestrutura. Melhorou as condições para os investidores, mas manteve o critério de taxa de retorno --embora a tenha aumentado.
Para Delfim, o "truque fiscal" para cumprir a meta de superavit primário gerou um efeito de catastrofismo, que "permitiu que se generalizasse a ideia de que o governo não sabe o que está fazendo".
Ele também é contra a recente tentativa do Banco Central de apreciar o real e os incentivos do governo à formação de oligopólios.
Mas o economista, que é colunista da Folha, elogia a continuação da política de redistribuição de renda pelo governo Dilma, que, para ele, vai na direção certa e só precisa fazer algumas correções.

Folha - O senhor adotou um tom mais crítico em relação ao governo. O que o levou a isso?
Antonio Delfim Netto - Não mudou o tom coisa nenhuma. Eu acho que a política do Lula era boa. Considero a Dilma uma tecnocrata de altíssima qualidade. Tudo o que ela está fazendo está na direção certa. Começando com aquela intervenção na poupança, a redução dos juros, a redução do custo de energia.
O que eu digo é o seguinte, a minha mudança...
Chamei a atenção para uma coisa que foi exagerada, a operação quadrangular entre Tesouro, BNDES, Caixa Econômica. Aquilo diminui a credibilidade da política. Você não precisava do superavit primário de 3,1% [do PIB]; com 2% você fazia o serviço.
Os investidores parecem estar menos confiantes no governo.
O governo não tem conseguido produzir leilões capazes de atrair a iniciativa privada. Tenta fixar coisas que não podem ser fixadas simultaneamente.
Você pode fixar a qualidade da concessão. E depois fazer um leilão competitivo em que é determinada a taxa de retorno. Esse é o modelo ideal. Ou você fixa a taxa de retorno e o mercado vai responder com a porcaria que cabe dentro da taxa de retorno. O governo não pode é fixar as duas coisas ao mesmo tempo. Se ele não se afastar desse modelo, a qualidade dos serviços não será a desejada.
E a infraestrutura do país continuará com problemas?
Sim, nossa infraestrutura continuará em dificuldades.
Isso impacta o crescimento?
Não há razão para o Brasil não poder crescer entre 3,5% e 4% neste ano. Mas vai depender do nível de investimento. Se você conseguir concessões com qualidade razoável e taxa de retorno adequada, vai atrair o investimento privado.
O que mais o governo pode fazer para recuperar a confiança do setor privado?
Há medidas como a desoneração da folha de pagamento junto com a relativa desvalorização do real que estão produzindo efeitos importantes na estrutura produtiva e na própria exportação.
Mas, quando o governo faz uma intervenção intempestiva no câmbio, aquelas pessoas que tomaram o risco de acreditar na política de desoneração e de câmbio entram em estado de estresse.
O sr. se refere à intervenção do BC [para valorizar o real]?
É. Essa ideia de que corrigir cinco centavos no câmbio muda a expectativa de inflação é absurda.
Produziu algum efeito terrível físico? Não. Mas produziu uma dificuldade na credibilidade do governo.
Não se pode estressar mais o setor industrial.
O sr. também tem criticado os incentivos a setores escolhidos por meio do BNDES.
É verdade, acho que essa não é uma política das mais inteligentes, formar oligopsônios [em que poucas empresas, de grande porte, compram determinado produto] e oligopólios com recursos do Tesouro, porque é óbvio que não são instrumentos eficientes no processo competitivo. São contra a competição. Mas isso vem de muito tempo. Não tem nada a ver com a Dilma.
Vem do governo Lula?
Sim, vem do governo Lula. Tanto quanto sei até hoje, essa não é uma coisa que termine bem.
Como termina?
Com mais inflação.
A inflação hoje é um risco?
Não acredito. A inflação vai flutuar um pouco. O BC continua com os instrumentos, tem autonomia. É um erro imaginar que não opere. Como é um erro imaginar que o governo não saiba administrar essa política econômica.
O que tem acontecido de melhor no país?
O lado bom é que as instituições estão muito mais fortes do que sempre estiveram. O Brasil é o emergente que tem as instituições mais sólidas, como prova esse julgamento do STF [do mensalão]. E, mesmo que tenha crescido pouco, temos crescido reduzindo a desigualdade. A redução da desigualdade é tão importante quanto o crescimento.
E estou convencido: se o governo corrigir essas pequenas coisas, vamos crescer entre 3,5% e 4%. Se não corrigir, vamos ter um crescimento menor. Mas não significa que o Brasil vai entrar em estagnação. Simplesmente vai ter crescimento menor.
Mas isso não seria ruim?
É claro que um crescimento maior é melhor, desde que acompanhado desse aumento de igualdade de oportunidade. Este é o ponto central: estamos construindo uma sociedade mais decente, dando à economia de mercado o que falta a ela, que é a redução da flutuação no nível de emprego e o aumento da oportunidade de igualdade. Não há razão para esse catastrofismo que se apropriou do país.
O erro do truque fiscal produziu esse efeito. Permitiu que se generalizasse a ideia de que o governo não sabe o que está fazendo. Duvido que o governo repita esse erro.
*
RAIO-X: Delfim Netto
IDADE: 84 anos
OCUPAÇÃO: Professor emérito da USP, sócio da Consultoria Ideias
FORMAÇÃO: Economia (USP)
CARREIRA: Foi ministro da Fazenda (1967-1974), da Agricultura (1979) e do Planejamento (1979-1985); foi deputado federal (1987-2007); e é autor de vários livros.


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